sexta-feira, 24 de outubro de 2014

Escola e Disciplina: Relações de Poder


A educação é algo primordial para o ser humano. Tão importante que é garantida por lei:
“A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.”
Constituição Federal de 1988, artigo 205.


O Direto à educação é parte de um conjunto de direitos chamados de direitos sociais, que têm como inspiração o valor da igualdade entre as pessoas:
“Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade.”



Em sentido amplo, educação significa o meio em que os hábitos, costumes e valores de uma comunidade são transferidos de uma geração para a geração seguinte. A educação vai se formando através de situação presenciadas e experiências vividas por cada indivíduo ao logo da sua vida.

Segundo Aristóteles, a educação é fundamental, uma vez que desenvolve a segurança e a saúde do Estado. Assim, a educação, para ele, tem por fim a cidade perfeita e o cidadão feliz.

De acordo com o filósofo teórico da área da pedagogia René Hubert, a educação é um conjunto de ações e influências exercidas voluntariamente por um ser humano em outro, normalmente de um adulto em um jovem. Essas ações pretendem alcançar um determinado propósito no indivíduo para que ele possa desempenhar alguma função nos contextos sociais, econômicos, culturais e políticos de uma sociedade.


Segundo Sócrates, ele nada ensinava, apenas ajudava as pessoas a tirarem de si mesmas opiniões próprias e limpas de falsos valores, pois o verdadeiro conhecimento tem de vir de dentro, de acordo com a consciência. Até mesmo na atividade de aprender uma disciplina qualquer, o professor nada mais pode fazer que orientar e esclarecer dúvidas,como o lapidador tira o excesso de entulho do diamante, não fazendo o próprio diamante. O processo de aprender é um processo interno, e tanto mais eficaz quanto maior for o interesse de aprender. Só o conhecimento que vem de dentro é capaz de revelar o verdadeiro discernimento.


Ao logo dá história se fez prevalecer alguns

métodos de ensino, em uma tentativa de aprimoramento das práticas de expansão dos conhecimentos sobre o homem e o mundo.

Desde sempre houve uma transmissão de conhecimentos. Na Pré-história as pinturas rupestres como modo de representar o mundo da época através de imagens. A Mitologia foi o primeiro modo de tentar entender o mundo através da intuição (religião politeísta), explicações passadas de geração em geração, modo imaginário que produzia as imagens dos deuses dentro da sociedade. A Filosofia por sua vez começa a questionar a Mitologia pautada na Razão Pura. Na Idade Média o campo do conhecimento foi exclusivamente religioso, fechado e voltado para as escrituras sagradas (religião monoteísta). As Ciências vieram comprovar que o mundo não é dado pronto, que ele passa por interferências e que o conhecimento é fragmentado.


A escola foi criada no século XIX para que todos tivessem acesso ao conhecimento cientifico. Local de produção e transmissão de conhecimento. Segundo Foucault, as Ciências criaram instituições de docilização dos humanos. Comparando as escolas com os manicômios e os presídios. 


Essa questão levantada por Michel Foucault despertou em mim caro leitor, um grande incômodo, por perceber que a escola é realmente um local de relações de poder. Todo conteúdo e prática exigidos por lei e conduzidos por parâmetros curriculares sobre o sentido e objetivo da educação acabam, em contextos específicos, adquirindo roupagens diferenciadas. Nas discussões sobre o universo escolar em sua totalidade a fala predominante não se baseava no processo educacional em si - ações pedagógicas, melhorias nos programas, materiais didáticos, projetos educativos, etc - mas sim, na questão disciplinar. A disciplina torna-se o grande alvo a ser alcançado e a responsável em manter o nível de aprendizado em um patamar aceitável. Segundo essa perspectiva, é através da disciplina dos alunos e dos professores que o sistema educativo se engrena. Manter o professor em um regime disciplinar como de operários fabris, produzindo em todo tempo designado e, impondo ao aluno seu poder como forma de utilizar o tempo como máximo de proveito, torna-se o objetivo almejado.


No livro a Polegarzinha de Michel Serres, ele descreve uma geração de jovens que são “libertos” através da tecnologia. Jovens que não se desligam do mundo virtual e tem como maior companheiro o celular. Quero destacar três trechos do livro quando ele fala sobre A Liberação do Corpo: “Os corpos podem sair da Caverna em que a atenção, o silêncio e o arqueamento das costas os prendiam às cadeiras como se fossem correntes. Forçados a voltar, não param mais nos lugares. Algazarra, como dizem.”

“A sala de antigamente morreu, mesmo que ainda a vejamos tanto, mesmo que só saibamos construir outras iguais, mesmo que a sociedade do espetáculo ainda procure se impor.”

“Não, antigamente prisioneiros, os Polegarzinhos se livram das correntes da Caverna multimilenar que os prendiam, imóveis e silencioso, no lugar, bico calado, rabo sentado.” (SERRES, 2013, p.48 e 49)


Vejo o pensamento de Serres como algo inovador para uma pessoa tão experiente. Porém, infelizmente seu pensamento ainda é algo distante. Não penso que ele esteja fantasiando ou que esteja seguindo a risca a teoria do mundo das ideias de Platão, o vejo como um visionário e vou mais a fundo sem querer ser muito pretensiosa o comparando com Cristovão Colombo, que liderou a frota que alcançou o continente americano e apesar de ter errado o caminho fez uma grande descoberta. Serres é um navegador que como tantos, e como Colombo viram a frente de seu tempo, além do horizonte. E assim como Colombo guiou sua frota. Espero que Serres guie sua geração para que dirijam a nós esse pensamento diferenciado e esperançoso que ele nos lança.


Nos três trechos destacados ele liberta os Polergazinhos do calvário de uma sala de aula retrograda. Mas digo com todas as letras NÃO, a sala de aula antiga não morreu infelizmente. E ainda me ouso a afirmar que ela existe porque, os Polegarzinhos são controlados e direcionados por pensamentos do século passado. A tecnologia que ele tanto elogia não entra na sala de aula. Porque? Incomoda? Distrai? A quem? “Vigiar e punir”, Foucault ainda está certo. A relação hierárquica no ambiente escolar revela como a disciplina dociliza os corpos e os coage numa constante utilização.

A escola configura-se como um ambiente parecido com uma prisão em sua disposição física, seus mecanismos de disciplinarização,
sua organização hierárquica, sua vigilância constante. Essa analogia refere-se ao sistema penitenciário no contexto apresentado por Foucault, em que as prisões disciplinares tinham por objetivo a readaptação e integração de “corpos dóceis” à sociedade.

A contribuição de Foucault é fundamental para o entendimento dessas questões presentes na escola, pois é a partir dela que a realidade efetiva se clareia, que as relações de poder cotidianas ganham seu devido status.

A tecnologia deixou tudo mais fácil, mais prático e interativo. Grupos de estudo no Facebook, documentos compartilhados no Google+, portais de educação com informações preciosas. As redes sociais digitais nos alienam ou nos trás conhecimento?! A conclusão que chegamos é a que já sabíamos, os métodos de docilização estão defasados. Sem uma consciência dessa decadência vamos continuar estagnados, pois nós até mudamos, mas ainda vivemos do mesmo modo como os nossos pais viviam. Por mais que as tentativas de mudanças sejam aplicadas, o modo como vemos o mundo é o mesmo. Como diz a música de Belchior interpretada brilhantemente por Elis Regina: “Ainda somos os mesmos e vivemos como os nossos pais”, mesmo que contra nossa vontade.

Autora: Ana Paula Trindade

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